A decisão é inédita e abre precedente para que outras associações que não distribuem lucro recorram a esse tipo de processo

Por Ana Paula Ragazzi

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aprovou ontem o pedido de recuperação judicial da Universidade Candido Mendes, uma sociedade sem fins lucrativos. A decisão é inédita e abre precedente para que outras associações que não distribuem lucro possam entrar nesse processo.

No Brasil, a discussão é bastante relevante paras os setores de educação e saúde.  Há 1.993 instituições de ensino superior no país e 487 (25%) não têm fins lucrativos, segundo dados do Ministério da Educação. Também estão nessa condição 2.177 hospitais, conforme a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB). Os clubes de futebol também têm essa característica.

O pedido de recuperação judicial da Cândido Mendes foi aceito pela Justiça em maio. Naquele momento, advogados entendiam que a decisão seria contestada, possivelmente por algum credor. Isso porque, no entendimento de grande parte dos especialistas, a Lei de Falência e Recuperação Judicial (11.101/2005) em seu primeiro artigo exclui essas associações desses processos ao se referir a “empresário” e “sociedade empresária”. E ser empresa pressupõe a possibilidade de distribuir lucro, o que é vedado à associação sem fim lucrativo.

De fato, a decisão inicial foi agravada pelo Ministério Público do Rio e por dois credores, Banco do Brasil e Bradesco. Além do entendimento de que há vedação legal, foi alegado que essas associações têm isenção de impostos e por isso não poderiam se valer do “benefício” da recuperação.

A argumentação do PCPC Advogados, que está à frente da recuperação judicial da Cândido Mendes, foi baseada no entendimento de que se a associação exerce uma atividade econômica de forma organizada pode ser considerada como uma empresa. Isso equivale a dizer que, apesar de não distribuir lucros, a Cândido Mendes gera empregos, receitas e tem um impacto social. Não se trata apenas de um grupo que se reuniu em torno de alguma reivindicação, por exemplo. Além disso, alegou que existem empresas que têm isenção de impostos e que as associações têm contrapartidas – a Cândido Mendes concede bolsas de estudo.

A 6ª Câmara Cível do TJ-RJ decidiu a favor da operação com quatro votos de desembargadores nesse sentido e um contra.

O entendimento do tribunal, explica Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, sócio do PCPC, foi de que a Candido Mendes exerce atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e serviços. Outro argumento apresentado pelo PCPC e levado em consideração pelos desembargadores foi o de “a finalidade maior da Lei de Recuperação Judicial é a de preservar a empresa, qualquer que seja a sua natureza, como fonte produtora de riquezas, o emprego dos trabalhadores, o interesse dos credores, sua função social e o estímulo da atividade econômica”.

Para Carneiro, a decisão é um marco. “Estamos numa pandemia, num país em que muitas sociedades estão quebrando. Seria um absurdo exigir um formalismo de que a empresa tem que distribuir lucro pra ser sociedade empresária”, afirmou o sócio do PCPC. “Agora há um precedente muito importante que abre caminho para que inúmeras associações, em vez de fechar as portas na pandemia, possam se valer da recuperação judicial”, disse.

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